segunda-feira, 13 de julho de 2009

Fim de semana em Bali II


Mudei de registro: do desanimo e frustração ao encantamento. A chegada em Kulta, sufocada pelo turismo, nada tem a ver com o que Bali tem para ser visto. Passei a noite de sexta-feira as voltas com um guia de turismo para salvar meu fim de semana. Naquela altura, meu pessimismo não deixava vislumbrar o que estava por vir. Percebi que seria impossível conhecer Bali a pe ou de ônibus. A idéia de alugar um carro sozinha, dirigir na mão errada e ainda decifrar mapas foi desanimadora e eu decidi contratar um motorista particular, que me custou 30 dolares por dia. Os preços aqui, apesar da altíssima estação, são incrivelmente baixos. Meu motorista era muito sorridente e disposto, mas tivemos, desde o inicio, um problema grave de comunicação. Após um dia inteiro de desentendimentos, consegui deduzir que os indonésios pronunciam “p” no lugar de “v” e “b” no lugar de “f”. Parece uma banalidade, mas e o suficiente para caotizar uma conversa.
Fui apontando no mapa os lugares que queria conhecer. Consegui fugir do circuito de compras que ele, a todo custo, queria me impor: “silver and gold to ladies”, ele repetia. E eu retrucava: “no money, no money!”. Foi uma disputa tensa. Ele achou bizarra a idéia de um tour pelos templos. E eu estava completamente fascinada com este universo religioso que ocupa os balineses. Ele achou bizarro também o conceito de uma mulher que viaja sozinha. “No family?”, “did you come alone from Brazil?”, ele perguntava com uma curiosidade insaciável. Quando comprei uma camisa para o meu sobrinho, ele perguntou: “for your son? how many do you have?”. Eu decidi criar a persona de uma mulher com filhos porque achei que seria mais fácil. E disse: “yes, it’s for my son”. Foi o inicio de uma longa seqüência inquisidora em que a minha pequena mentira foi tomando proporções que eu não poderia imaginar.
A minha primeira e equivocada impressão de Bali foi a de um lugar inteiramente capturado pelo turismo, movido pela exuberância da beleza natural e pelas marcas de exotismo de uma vida religiosa extinta. Eu não podia estar mais enganada: este povo respira a religião e faz dela a principal motivação para a vida. Um passeio pelas estradinhas do interior, que fogem da orla, revelam um cenário fascinante que alterna campos de arroz com pequenas casas e templos. Digo casas e templos para designar uma so unidade. Os hindus são cerca de 80% da população local e constroem suas casas com um pequeno recuo para acolher, na parte dianteira, um pequeno templo. Embora obedeçam a um estilo comum, cada um desses pequenos templos tem uma característica própria, um detalhe que os distingue dos demais. São pequenas pecas preciosas, com trabalhos minuciosos em madeira e pedra. A paisagem ordinária, que se repete a todo tempo, e de tirar o fôlego. Diferente da sensação do museu, que tem cara de passado, os templos, antigos e recentes, são usados a todo tempo e são de vários tipos. Podem ser domésticos, do grupo familiar mais amplo, do bairro e da cidade. Cada um deles envolve um calendário próprio de atividades. Ornados a cada dia, são cheios de cores. As flores e os panos de tons fortes somam-se ao cenário das pedras e madeiras desgastados pela exposição ao sol e a chuva.
Em uma sociedade com marcas tão fortes da religião, os fins de semana são oportunidade valiosa para o culto. Por isso pude perceber, em diversos templos, cerimônias de menores e maiores proporções. Não consegui, em tão pouco tempo e com tão precários canais de comunicação, entender como funcionam os rituais. Vi rezas, comidas, flores e banhos, mas não entendi qual e o principio de ordem disso tudo. Contentei-me em observar, simplesmente. O mar de turistas que freqüenta os templos não chegou a me incomodar. Os hindus criaram um modo interessante de lidar com eles. As áreas de reza são reservadas, mas tem os muros baixos. Estão e não estão integradas ao mundo exterior. O resguardo do espaço estritamente hindu e rigoroso, mesmo sem qualquer tipo de vigilância. Se muitos turistas não tem uma religião forte (imagino), tampouco arriscam a falta de respeito com a dos outros.
O segundo dia de Bali, que reproduziu o desconforto da comunicação precária, trouxe para mim maior sacrifício. Os percursos foram longos, o calor forte e o transito intenso, carregado de turistas. Cheguei no final do dia muito satisfeita com tudo, mas completamente exausta. O cheiro do incenso e a musica exremamente monótona foram o pano de fundo do meu fim de semana e me produziram, ao fim, uma certa náusea. No domingo a noite, tinha fome, sono e vontade de voltar para a “casa”. Descobri que existe uma diferença grande entre ser um malai e ser um gringo e eu prefiro ser malai. Em Bali, o gringo sofre assedio permanente, não tem sossego. A todo momento e confrontado com crianças e mulheres implorando que compre isso e aquilo. Curioso como esta função do comercio, que muitas vezes envolve um comportamento de quase-mendicância, tem um claro viés de gênero e de geração. Os homens não ocupam esse lugar de pedintes. Em Dili, o malai não perde o estigma do exótico, mas incorpora-se com mais tranqüilidade na rotina da cidade.
A dinâmica do comercio entre o nativo e o turista, em Bali, e, para mim, o símbolo maior desta tensão permanente. Como em muitos outros lugares no mundo, o preço e volúvel, suscetível as capacidades de negociação. Os primeiros preços oferecidos – sem nenhuma demanda explicita por parte comprador potencial – beiram o ridículo. Uma canga de péssima qualidade pode merecer a avaliação de 1.000.000 de rúpias, o que equivale a cerca de 100 dolares. O excesso de zeros contribui para tornar a coisa ainda mais caricatural. Em um dos corredores de lojas por onde o turista tem que passar para chegar aos templos, fui encurralada por uma mulher e duas crianças. Senti-me constrangida a demonstrar interesse por uma saia que não tinha a menor intenção de comprar. O preço imediato foi 500.000 e eu segui meu caminho original, sem fazer menção de leva-la. A vendedora, ofendida, gritava: “how much do you give me for this?” e me perseguia ditando novos preços. Sem que eu fizesse o menor esforço, a oferta desceu para 5.000 (50 centavos de dólar)!!! Ainda assim não me voltei para comprar. Ela, enfurecida, deu-me uma lição: “you have do bargain, that’s how things are!”

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