sábado, 4 de julho de 2009

1 de julho de 2009



Embora hospedada em região central de Dili, acordei as quatro da manha com uma sinfonia de galos. Sensação de roca que corrobora a impressão da chegada. Nas ruas da cidade, o único contraste com o cenário desolador da poeira e dos prédios queimados são os carros de ultima geração da ONU. Estão por toda parte e dão a falsa impressão de um estado de exceção. A cooperação internacional tem ainda aqui, mesmo depois da autonomia política em 2002, uma presença central.
A chegada em Dili foi muito marcante. A paisagem e linda: são montanhas que se encontram com o mar com um recorte muito impressionante. Quando aterrissou, o avião que chegava de Cingapura era o único no aeroporto, salvo três ou quatro bimotores e helicópteros da ONU. Os passageiros foram recebidos com honras militares por causa de um General Francisco Conceição, que trazia a farda repleta de medalhas e viajava na primeira classe. Uma comitiva aguardava o General na saída do avião e todo o cerimonial me pareceu cômico. Um calor de matar, um sol que mal deixa abrir os olhos e aquela trupe de homens minúsculos (os timorenses são todos feitos em miniatura) indo de um lado a outro com movimentos mal ensaiados.

Ainda estou para entender qual foi a equação política que tornou o tornou idioma obrigatório. Surpreende-me que os portugueses tenham ganho a batalha lingüística dos australianos. A língua que se fala efetivamente, entretanto, e o tetum., que tem um vocabulário muito pobre e acaba mesmo incorporando o português, mas soa completamente diferente dele. Depois da brutalidade indonésia, que ocupou o pais desde 1975 ate 1999, me parece haver uma certa nostalgia com relação ao tempo da presença ausente portuguesa. O Timor sempre foi um enclave esquecido por Portugal e isso resultava em importante autonomia local. Existe um claro marco geracional no uso da língua. Os jovens que viveram sob ocupação indonésia (e que viveram, portanto, a proibição do português) falam tetum e inglês. Os mais velhos, do tempo da colônia portuguesa, falam o português. Há também uma clivagem que tem a ver com a diáspora das guerras. Muitos exilados, que depois retornaram como lideres da FRETILIN (frente de resistência que hoje tem maioria no Congresso) refugiaram-se nas colônias portuguesas na África e trouxeram o português como língua de comunicação. Os resistentes que permaneceram, por sua vez, faziam uso estratégico do português, pois com ele escapavam ao controle indones, como faziam os negros sul-africanos no Apartheid. O portugues foi, portanto, o idioma da resistência e ocupa um lugar simbólico importante. Há um esforço do governo para superar essa defasagem geracional com a formação de professores em língua portuguesa. E possível que dentro de alguns anos as novas gerações já sejam formadas em português, mas parece-me claro que o empreendimento esta aquém das necessidades para uma mutação lingüística. A indonésia, quando empreendeu esforços neste sentido, fez um investimento agressivo em educação.

A cidade e toda baixa. Não vi ate agora um único prédio. Entre uma construção e outra ainda restam sinais da destruição da guerra. Muitas casas queimadas, lavadas pela chuva, ainda estão de pe e abrigam, vez ou outra, pequenos comercios. A descrição da cidade em 1999 e tenebrosa e explica muito do que ainda se vê hoje. 80% de toda infra-estrutura foi queimada. A população que sobreviveu fugiu para o interior ou foi forcada a cruzar as fronteiras para a Indonésia. Milícias indonésias, que não aceitaram o resultado do referendo pela autonomia, executaram um massacre de enormes proporções. Estima-se que um quinto da população da época tenha sido massacrada.
Existe uma avenida a beira-mar onde estão as embaixadas e as casas de embaixador. Este trecho não chega a produzir sensação de riqueza porque todo o entorno e extremamente empobrecido. Os vendedores ambulantes estão em todos os lados. Alguns são nômades, andam com as costas carregadas de frutas, peixes ou qualquer outra mercadoria. Outros estendem uma toalha no chão e vendem de tudo, em geral usados. Nada aqui tem cara de novo.
No meio deste cenário circulam os “internacionais”, figuras centrais na reconstrução de Dili que vem e vão de seus paises de origem e não constituem uma classe fixa. O impressionante e encontrar nesta cidade um ambiente extremamente cosmopolita, com gente de toda parte do mundo. São os malai, no tetum. Ontem encontrei com uma brasileira missionária que conheci pela internet e que veio me visitar “em casa”. Como a casa não tem numero, sai na rua, falando no celular, para que ela me localizasse. Imediatamente vários garotos jogando futebol pararam para testemunhar o encontro das malai. Depois de dez anos, os malai são ainda exóticos, tamanho o abismo que os separam dos locais. Mas e um exotismo domesticado, já familiar. Não me pareceu haver, nas ruas, um clima de animosidade. Há uma certa harmonia na diferença, coisa que não parece haver nos bastidores do governo, segundo li. A inserção profundamente desigual entre os locais e os estrangeiros no processo de reconstrução do Estado e extremamente tensa. Os salários dos internacionais são infinitamente superiores. São eles que ocupam os lugares chave de decisão política. Os timorenses, salvo um ou outro caso, invariavelmente estão em posição subordinada.

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