quarta-feira, 8 de julho de 2009

Entrevista com Ramos Horta

Ontem pela manha recebi um telefonema da secretaria do Presidente agendando uma entrevista com ele para hoje. Mal pude acreditar que foi tão fácil. Por um desses grandes lances de sorte, peguei o atalho certo e, em menos de 24 horas, consegui alcançar a autoridade máxima do pais.
Neste fim de semana fui almoçar com um casal de brasileiros cujo contato me foi dado por amigos de amigos. Eles foram muito atenciosos e me levaram para um belo passeio pela cidade. Entre uma conversa e outra, soube que o Rodrigo era defensor publico e que a Aline tinha sido assessora direta do Ramos Horta. Perguntei, com baixíssima expectativa de sucesso, se ela achava que eu poderia conseguir uma conversa rápida com o Presidente. Ela disse que faria a consulta a uma ex-colega que ainda estava no gabinete da presidência. Foi assim, sem maiores cálculos ou articulações, que eu cheguei ate Ramos Horta.


Refleti longamente sobre um roteiro de questões. A entrevista não deveria se perder em conversa sobre meu tema especifico de pesquisa. O objetivo era faze-la constar no Portal CPLP e me parecia adequado que ela tivesse um perfil mais generalista. Eu imaginei uma espécie de panorama político do Timor e, para isso, alguns temas controversos da agenda contemporânea não poderiam ser evitados. Há, por exemplo, grande polemica em torno da anistia aos militares timorenses e indonésios envolvidos com as milícias que destruíram o pais em 1999. O Presidente pronuncia-se favoravelmente a anistia ampla e irrestrita com vistas a “virar esta pagina da historia” do pais. Ele cita o Brasil como exemplo bem sucedido neste caso. Fiquei muito impressionada de o Brasil ser mobilizado, a este respeito, como referencia de ação política. Alem disso, muito barulho também aconteceu em torno da indicação de Xanana Gusmão ao cargo de Primeiro Ministro. Muitos alegam que o Presidente aproveitou-se de uma brecha na Constituição para aprovar um acordo pos-eleitoral entre as forcas de oposição a Fretilin, que obteve maioria no Parlamento. Eu achei que não poderia passar ao largo destas duas questões e busquei formula-las de modo gentil, sem que soassem como uma afronta, mas como uma consulta genuína, uma oportunidade para expor a sua opinião a respeito destes assuntos. Foi uma tarefa difícil e não estou certa de te-la alcançado. Existe uma linha tênue que separa um e outro cenário, isto e, o enfrentamento e o pedido de esclarecimento. Tive a impressão de que o final da conversa, quando surgiram esses temas mais dificies, veio envolto em uma certa tensão. A meu favor quis supor que essa impressão tinha a ver com uma leve ansiedade pelo tempo que já ia avançado. Ofereci-lhe, ao final da entrevista, um café brasileiro, que foi recebido sem entusiasmo. O Embaixador já me havia dito que o café timorense era muito bom, produto de orgulho nacional, o que ofuscava o café brasileiro por ca. Ramos Horta disse-me que o próprio Lula tinha admitido ser o café deles melhor e eu fiquei imaginando a reação dos brasileiros se tivessem conhecimento de uma declaração desta gravidade! Meu movimento final para assinalar cordialidade não foi propriamente bem sucedido, mas sai satisfeita com o encontro. Afinal, não fui la para ser adotada pelo Presidente e consegui fazer todas as perguntas que tinha planejado.


A fala do Presidente me surpreendeu pelo tom critico relativamente a ONU e a cooperação internacional no Timor. Ele propoe que se repense o modelo de ajuda internacional e diz-se estupefato ao ver tanto dinheiro investido no pais – 3 bilhoes de dólares desde 2001 ate hoje – sem melhoria real da qualidade de vida do povo. Ele chamou ainda atenção para o fato de a pobreza ter aumentado no Timor nos últimos anos. A disparidade entre o patamar social e econômico dos timorenses e aquele dos internacionais e mesmo chocante. Boa parte das doações e investida em pessoal estrangeiro, advisors de toda especie. Isto significa que boa parte dessa cifra exorbitante não permanece no pais. Para muitos estrangeiros no Timor, a passagem por aqui e uma espécie de mal transitório que tem o acumulo de capital como contrapartida.

Os minutos pré-entrevista foram muito tensos e, a esta altura, já cômicos. Organizei-me com antecedência para que tudo transcorresse com calma. Mais de meia hora antes da entrevista, sai em direção ao Palácio do Governo, a cinco quadras de onde estou hospedada. Apenas sai, dei-me conta de que tinha esquecido meus cartões de visita e achei que valia a pena retornar. Ao apoiar a bolsa aberta em cima da mesa, o gravador caiu no chão e eu não percebi isso antes de chegar ao Palácio. Sai correndo, peguei um táxi e pedi que me levasse ate em casa e depois me levasse de volta. Os timorenses tem hábitos lentos e a corrida parecia um passeio. Eu explicava ao motorista que tinha pressa e ele dizia: “sim, sim”, a resposta universal dos timorenses que não falam português e não fazem a menor idéia do que esta sendo dito. Fiz todo o percurso e consegui chegar ainda dez minutos antes. Era tempo suficiente para lavar o rosto e ter uns minutos de concentração. Entrei no Palácio do Governo e não havia ninguém na recepção. Subi as escadas e passei por outra recepção desabitada. Fui seguindo o caminho natural, confiante que, em algum momento, eu encontraria a secretaria com quem estive em contato. Cheguei, enfim, a uma porta imponente e sem identificação. Hesitei dois minutos antes de abri-la, mas decidi que não tinha escolha. Já estava em cima da hora e eu precisava me apresentar para não atrasar a agenda do Presidente. Vi um homem de costas e uma mulher ao lado com alguns papeis na mão. Somente neste momento fui interpelada por um guarda que indagou quem eu era e quem procurava. Eu disse que tinha uma entrevista com o Presidente e ele disse: mas este e o gabinete do Primeiro Ministro. Dei-me conta de que eu simplesmente estava entrando na sala de Xanana Gusmão (era o próprio ali de costas!), sem ter sido interpelada por ninguém no meio do caminho! Não me surpreende que tenha sido tão fácil tentar matar o Presidente! Fechei a porta sem que tenham notado a minha presença. Mal podia acreditar na confusão. Perguntei ao guarda onde estava o gabinete do Presidente, imaginando que seria nas redondezas. Ele me disse, arranhando um português aprendido no passado longínquo da colônia portuguesa, “muito longe, do outro lado da cidade” e apontava rumo ao horizonte. Olhei para o relógio e faltavam cinco minutos para a hora da entrevista. Sai correndo, ainda sem saber bem o que fazer. Fui ligando o celular para prevenir sobre o meu atraso e tentava afastar do meu pensamento a tempestade de acusacoes que eu fazia a mim mesma: como pude ser tão estúpida? Idiota! Desligada! Num instante tudo fez sentido: em Timor, copia do modelo político português, o Palácio do Governo e o Parlamento. O Presidente não governa. Por que eu estava tão segura de ser este o Palácio? Por que não confirmei a informação? Entrei num táxi e disse “Palacio Presidente. O senhor conhece?” O “sim, sim” que se seguiu não me soou nada convincente. Passados uns minutos, o motorista para em frente a uma residência e faz sinal para eu saltar. Eu queria chorar e repetia, em tom de desespero: “Palacio Presidente, Palácio Presidente, não residência!!!” (não sei porque, mas nas minhas falas truncadas com os locais, eu suprimo os verbos, como se isso fosse facilitar a comunicação...) O que mais eu podia fazer? Aquele sol estava acabando comigo e eu não conseguia mais pensar em nada. Tive então a idéia salvadora de ligar para a secretaria do Presidente e coloca-la para conversar em tetum com o motorista. Consegui chegar as 3:05, subi as escadas pulando degraus e não tive dois segundos antes de entrar, ofegante e encharcada de suor, na sala do Presidente. O cabelo, endurecido pela água salobra, parecia uma palha. Posso imaginar meu aspecto lastimável, apesar de ter escolhido a minha melhor roupa para o evento! Por sorte, uma clássica conversa sobre o parentesco com o Chico Buarque deu-me tempo para organizar a respiração.

Depois da entrevista fui encontrar com a assessora que me conseguiu a entrevista. Queria agradecer a ajuda e dar também a ela um pacote de café (que foi muito mais bem recebido, alias). Estranhei o calor no escritório. As janelas abertas não chegavam a aliviar a sensação de abafamento. Veio então, num comentário casual, a explicação: o Presidente, indignado com o desperdício de energia que testemunhou dias antes em uma sala do Gabinete, determinou que todos trabalhassem sem ar condicionado e sem luz por uma semana. Energia apenas para fazer funcionar os computadores.

Um comentário:

  1. "Por sorte, uma clássica conversa sobre o parentesco com o Chico Buarque deu-me tempo para organizar a respiração".

    Ai, ai, ai, Cris... impagável!!!!!

    Sempre imaginei que você fosse uma daquelas pessoas capazes de tudo, mas agora, querida, você extrapolou!! Que oportunidade maravilhosa!

    O relato etnográfico dessa entrevista está uma delícia! Parece fácil condensar o cotidiano, mas isso pensa somente aquele que vive o cotidiano e não quem escreve sobre ele. Acho até que, inspirada nesse relato, você poderia escrever uma matéria para a revista Caros Amigos. É o tipo de assunto, o tipo de situação e o tipo de linguagem que cairia como uma luva na redação. E por quê não uma Cris jornalista também?!

    Fica a sugestão.

    Bjs.

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