terça-feira, 14 de julho de 2009

Hotel Timor

O Hotel Timor, na avenida beira-mar, e o centro da sociabilidade dos intelectuais e ativistas em Timor. Isso significa que reúne internacionais e também timorenses (vindos da elite, falantes de português e/ ou inglês) em reuniões políticas ou conversas informais. Ali eu fiz todas as entrevistas e tomei cafe todas as manhas. Tem um saguão amplo e imponente, mas aconchegante, com rede wireless (um luxo completo para os padroes locais!). Tenho a impressao de que boa parte dos rumos do pais sao decididos ali, entre um cafe e outro.
Lembrei de uma novela do Manoel Carlos em que tudo acontecia num hotel. Eu achava aquilo muito improvavel. Agora ja nao mais!

Timor: entre o tradicional e o moderno

Timor vive a tensão entre tradicional e moderno de modo limite. Essa e a sensação mais forte que tenho ate agora a respeito do processo de construção da nação aqui. Nos painéis da conferencia que participei na semana passada, esse foi o tema predominante, que perpassa as discussões sobre saúde, educação, justiça e tudo mais. Como definir, por exemplo, o que e saude mental sem levar em conta a ideia local de normalidade? Como produzir a sensacao de justica contornando a sensibilidade local a respeito deste assunto? Nas entrevistas que já pude fazer sobre as comissões de verdade e reconciliação, também o choque de paradigmas entre as tradições e os padrões da democracia liberal foi a questão estruturante. Nas agendas de governo, o desafio de ajustar o moderno aos hábitos e costumes locais e, sem duvida, a preocupação dominante. E e importante levar em conta que a ideia de tradicional, aqui, nao constitui um universo homogeneo. Embora o pais seja muito pequeno, as variacoes culturais e linguisticas sao expressivas.
Rios de dinheiro já foram empregados em consultorias internacionais para desenhar modelos de conciliação entre o inconciliável. Como lidar, por exemplo, com os homens que julgam ter o direito de casar com uma segunda mulher da mesma linhagem no caso de não se sentirem satisfeitos com os serviços matrimoniais da primeira? Eles pagam um dote caro pela mulher e querem ser bem atendidos. Como inserir pessoas movidas por este universo de expectativas no mundo dos direitos ocidentais sem o custo árduo – e as vezes inócuo - da violação cultural? E comum que os padrões de interação tradicional sigam intocados, imunes a figura do Estado regulador. Em sucos no interior no pais, existem claros movimentos de fechamento e endurecimento das tais culturas tradicionais diante da “ameaça moderna”. Em muitos casos, pelo que narrou um antropólogo timorense em conferencia, e possivel identificar o resgate de praticas já extintas há duas ou três gerações como modo de resistência a imposicao dos direitos modernos. Difícil fazer o Estado penetrar nesses redutos, sobretudo num cenário de fragilidade notória dos governos locais e nacional.
O embate entre ativistas de direitos humanos, com a arrogância do discurso universal, e antropólogos, com a inflexibilidade do argumento dos direitos culturais, não tem um desfecho possível. Não consigo me posicionar confortavelmente de um ou outro lado. Os ativistas, imbuídos de uma missão civilizacional, acreditam que vieram salvar os pobres timorenses de sua própria cultura. Mais precisamente, as pobres timorenses, pois são obcecados pelo tema do gênero e acham que a sociedade patriarcal constitui um sistema de valores compartilhado apenas pelos homens e imposto, pela forca, as mulheres. Nesta perspectiva, as mulheres são vitimas da cultura que integram e devem ser resgatadas dela. Depois de dias de convivência intensa com os dois personagens de discurso, ficou evidente para mim a ausencia completa de humor de muitos ativistas. Sao incapazes de olhar para o mundo sem olhos de escrutínio e juízo moral. Ao descrever hábitos de constituição de família de um determinado povoado no pais, uma certa missionária da ONU narrava cenários de repulsa para uma mulher ocidental. Num determinado momento da conversa, ela disse haver - na mesma aldeia que dava ao homem o direito de transitar entre as diversas mulheres da família - o direito das mulheres migrarem entre homens da mesma família no caso de óbito do marido original. Eu ouvi com surpresa esse relato – que enfim produzia algum reconhecimento para a mulher - e deixei escapar um: “que legal!”. Fui congelada imediatamente por oito ou dez olhos de censura. Alem da ambição desmedida de organizar o mundo segundo seus padrões, os ativistas também irritam pela recusa dos “acadêmicos”, como se a ação pudesse prescindir da reflexão.
Os antropólogos, em contrapartida, embora me inspirem mais simpatia, também podem ser muito chatos com a ditadura da imparcialidade. Parece que, eles próprios, não tem nenhuma inscrição cultural e partem do principio de que todas as coisas que tem a ver com cultura (hábitos, costumes, instituições) são boas em si mesmas porque relativas a um determinado universo compartilhado de valores. Se uns irritam pela arrogância universalista, os outros irritam pela recusa de todo juízo moral.

De volta a Dili

Na segunda vez que aterrissei no aeroporto de Dili, quase duas semanas depois da primeira chegada, minha disposição emocional era completamente outra. Sensação de retorno ao conhecido. Quando cruzei a porta do avião, o bafo quente contra o rosto me trouxe conforto e acolhimento. A tristeza antecipada da partida foi o sentimento seguinte. Eu vivi esta cidade com tanta intensidade que tenho a impressão de estar aqui há meses. Já tenho uma rotina, uma casa e um gato (temo, alias, pelo destino dele). Já sei meu numero de telefone de cor e os nativos da rua já não me chamam de malai. Agora eu sou a brasileira (e uma distinção importante) e todo dia me cumprimentam saindo de casa: “bom dia, brasileira”. No mercado da esquina, penduro a conta quando falta troco. No Hotel Timor, o porteiro me pergunta pelo Ronaldo (uma fixação nacional). Essa sensação de reconhecimento me da sensação de já pertencer um pouco a este lugar.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Ritual dominical no templo de Umuluatu (pequenissimo trecho)

Fim de semana em Bali II


Mudei de registro: do desanimo e frustração ao encantamento. A chegada em Kulta, sufocada pelo turismo, nada tem a ver com o que Bali tem para ser visto. Passei a noite de sexta-feira as voltas com um guia de turismo para salvar meu fim de semana. Naquela altura, meu pessimismo não deixava vislumbrar o que estava por vir. Percebi que seria impossível conhecer Bali a pe ou de ônibus. A idéia de alugar um carro sozinha, dirigir na mão errada e ainda decifrar mapas foi desanimadora e eu decidi contratar um motorista particular, que me custou 30 dolares por dia. Os preços aqui, apesar da altíssima estação, são incrivelmente baixos. Meu motorista era muito sorridente e disposto, mas tivemos, desde o inicio, um problema grave de comunicação. Após um dia inteiro de desentendimentos, consegui deduzir que os indonésios pronunciam “p” no lugar de “v” e “b” no lugar de “f”. Parece uma banalidade, mas e o suficiente para caotizar uma conversa.
Fui apontando no mapa os lugares que queria conhecer. Consegui fugir do circuito de compras que ele, a todo custo, queria me impor: “silver and gold to ladies”, ele repetia. E eu retrucava: “no money, no money!”. Foi uma disputa tensa. Ele achou bizarra a idéia de um tour pelos templos. E eu estava completamente fascinada com este universo religioso que ocupa os balineses. Ele achou bizarro também o conceito de uma mulher que viaja sozinha. “No family?”, “did you come alone from Brazil?”, ele perguntava com uma curiosidade insaciável. Quando comprei uma camisa para o meu sobrinho, ele perguntou: “for your son? how many do you have?”. Eu decidi criar a persona de uma mulher com filhos porque achei que seria mais fácil. E disse: “yes, it’s for my son”. Foi o inicio de uma longa seqüência inquisidora em que a minha pequena mentira foi tomando proporções que eu não poderia imaginar.
A minha primeira e equivocada impressão de Bali foi a de um lugar inteiramente capturado pelo turismo, movido pela exuberância da beleza natural e pelas marcas de exotismo de uma vida religiosa extinta. Eu não podia estar mais enganada: este povo respira a religião e faz dela a principal motivação para a vida. Um passeio pelas estradinhas do interior, que fogem da orla, revelam um cenário fascinante que alterna campos de arroz com pequenas casas e templos. Digo casas e templos para designar uma so unidade. Os hindus são cerca de 80% da população local e constroem suas casas com um pequeno recuo para acolher, na parte dianteira, um pequeno templo. Embora obedeçam a um estilo comum, cada um desses pequenos templos tem uma característica própria, um detalhe que os distingue dos demais. São pequenas pecas preciosas, com trabalhos minuciosos em madeira e pedra. A paisagem ordinária, que se repete a todo tempo, e de tirar o fôlego. Diferente da sensação do museu, que tem cara de passado, os templos, antigos e recentes, são usados a todo tempo e são de vários tipos. Podem ser domésticos, do grupo familiar mais amplo, do bairro e da cidade. Cada um deles envolve um calendário próprio de atividades. Ornados a cada dia, são cheios de cores. As flores e os panos de tons fortes somam-se ao cenário das pedras e madeiras desgastados pela exposição ao sol e a chuva.
Em uma sociedade com marcas tão fortes da religião, os fins de semana são oportunidade valiosa para o culto. Por isso pude perceber, em diversos templos, cerimônias de menores e maiores proporções. Não consegui, em tão pouco tempo e com tão precários canais de comunicação, entender como funcionam os rituais. Vi rezas, comidas, flores e banhos, mas não entendi qual e o principio de ordem disso tudo. Contentei-me em observar, simplesmente. O mar de turistas que freqüenta os templos não chegou a me incomodar. Os hindus criaram um modo interessante de lidar com eles. As áreas de reza são reservadas, mas tem os muros baixos. Estão e não estão integradas ao mundo exterior. O resguardo do espaço estritamente hindu e rigoroso, mesmo sem qualquer tipo de vigilância. Se muitos turistas não tem uma religião forte (imagino), tampouco arriscam a falta de respeito com a dos outros.
O segundo dia de Bali, que reproduziu o desconforto da comunicação precária, trouxe para mim maior sacrifício. Os percursos foram longos, o calor forte e o transito intenso, carregado de turistas. Cheguei no final do dia muito satisfeita com tudo, mas completamente exausta. O cheiro do incenso e a musica exremamente monótona foram o pano de fundo do meu fim de semana e me produziram, ao fim, uma certa náusea. No domingo a noite, tinha fome, sono e vontade de voltar para a “casa”. Descobri que existe uma diferença grande entre ser um malai e ser um gringo e eu prefiro ser malai. Em Bali, o gringo sofre assedio permanente, não tem sossego. A todo momento e confrontado com crianças e mulheres implorando que compre isso e aquilo. Curioso como esta função do comercio, que muitas vezes envolve um comportamento de quase-mendicância, tem um claro viés de gênero e de geração. Os homens não ocupam esse lugar de pedintes. Em Dili, o malai não perde o estigma do exótico, mas incorpora-se com mais tranqüilidade na rotina da cidade.
A dinâmica do comercio entre o nativo e o turista, em Bali, e, para mim, o símbolo maior desta tensão permanente. Como em muitos outros lugares no mundo, o preço e volúvel, suscetível as capacidades de negociação. Os primeiros preços oferecidos – sem nenhuma demanda explicita por parte comprador potencial – beiram o ridículo. Uma canga de péssima qualidade pode merecer a avaliação de 1.000.000 de rúpias, o que equivale a cerca de 100 dolares. O excesso de zeros contribui para tornar a coisa ainda mais caricatural. Em um dos corredores de lojas por onde o turista tem que passar para chegar aos templos, fui encurralada por uma mulher e duas crianças. Senti-me constrangida a demonstrar interesse por uma saia que não tinha a menor intenção de comprar. O preço imediato foi 500.000 e eu segui meu caminho original, sem fazer menção de leva-la. A vendedora, ofendida, gritava: “how much do you give me for this?” e me perseguia ditando novos preços. Sem que eu fizesse o menor esforço, a oferta desceu para 5.000 (50 centavos de dólar)!!! Ainda assim não me voltei para comprar. Ela, enfurecida, deu-me uma lição: “you have do bargain, that’s how things are!”

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Fim de semana em Bali

Afinal consegui organizar o meu fim de semana em Bali. Duas horas de vôo e duas horas de alfândega me separam de Dili. O contraste foi muito grande e repentino. Eu estava mais ajustada ao subdesenvolvimento e ainda me sinto perdida aqui. Ate agora a cidade me parece um parque de diversão de gringos, mas deve ser porque me restou a região mais turística. Os hoteis estao todos lotados. No caminho para a praia, fui assediada por todo tipo de oferta: massagem, cangas, pratas, tatuagens, vestidos, maconha e cocaína.
De todos os produtos, a massagem me parece a maior febre dos estrangeiros. Eles deitam em esteirinhas por toda parte, levantam a roupa aqui e acolá para receberem a famosa massagem balinesa e mil outras variações da coisa. Impressionou-me a falta de pudor: gringos semi-nus sendo publicamente manipulados. Os preços vão de 3 a 50 dolares a hora. Na praia, o pano de fundo sonoro e: "lady, lady, cheap massage, cheap massage!"

Sexta-feira limpa em Dili

Sexta-feira e dia de limpeza em Dili. O Presidente decretou que todos os cidadãos dediquem as manhas de sexta-feira a varrer a cidade e tirar os matos. Como não pode obrigar todos, a coisa e compulsória apenas para os funcionários públicos. Achei muito curioso sair na rua e deparar-me com um exercito amador de limpadores, varrendo a esmo, sem qualquer principio de ordem aparente. Ate os serviços essenciais na cidade param para a limpeza, disse-me o Rodrigo, defensor publico.