terça-feira, 14 de julho de 2009

Hotel Timor

O Hotel Timor, na avenida beira-mar, e o centro da sociabilidade dos intelectuais e ativistas em Timor. Isso significa que reúne internacionais e também timorenses (vindos da elite, falantes de português e/ ou inglês) em reuniões políticas ou conversas informais. Ali eu fiz todas as entrevistas e tomei cafe todas as manhas. Tem um saguão amplo e imponente, mas aconchegante, com rede wireless (um luxo completo para os padroes locais!). Tenho a impressao de que boa parte dos rumos do pais sao decididos ali, entre um cafe e outro.
Lembrei de uma novela do Manoel Carlos em que tudo acontecia num hotel. Eu achava aquilo muito improvavel. Agora ja nao mais!

Timor: entre o tradicional e o moderno

Timor vive a tensão entre tradicional e moderno de modo limite. Essa e a sensação mais forte que tenho ate agora a respeito do processo de construção da nação aqui. Nos painéis da conferencia que participei na semana passada, esse foi o tema predominante, que perpassa as discussões sobre saúde, educação, justiça e tudo mais. Como definir, por exemplo, o que e saude mental sem levar em conta a ideia local de normalidade? Como produzir a sensacao de justica contornando a sensibilidade local a respeito deste assunto? Nas entrevistas que já pude fazer sobre as comissões de verdade e reconciliação, também o choque de paradigmas entre as tradições e os padrões da democracia liberal foi a questão estruturante. Nas agendas de governo, o desafio de ajustar o moderno aos hábitos e costumes locais e, sem duvida, a preocupação dominante. E e importante levar em conta que a ideia de tradicional, aqui, nao constitui um universo homogeneo. Embora o pais seja muito pequeno, as variacoes culturais e linguisticas sao expressivas.
Rios de dinheiro já foram empregados em consultorias internacionais para desenhar modelos de conciliação entre o inconciliável. Como lidar, por exemplo, com os homens que julgam ter o direito de casar com uma segunda mulher da mesma linhagem no caso de não se sentirem satisfeitos com os serviços matrimoniais da primeira? Eles pagam um dote caro pela mulher e querem ser bem atendidos. Como inserir pessoas movidas por este universo de expectativas no mundo dos direitos ocidentais sem o custo árduo – e as vezes inócuo - da violação cultural? E comum que os padrões de interação tradicional sigam intocados, imunes a figura do Estado regulador. Em sucos no interior no pais, existem claros movimentos de fechamento e endurecimento das tais culturas tradicionais diante da “ameaça moderna”. Em muitos casos, pelo que narrou um antropólogo timorense em conferencia, e possivel identificar o resgate de praticas já extintas há duas ou três gerações como modo de resistência a imposicao dos direitos modernos. Difícil fazer o Estado penetrar nesses redutos, sobretudo num cenário de fragilidade notória dos governos locais e nacional.
O embate entre ativistas de direitos humanos, com a arrogância do discurso universal, e antropólogos, com a inflexibilidade do argumento dos direitos culturais, não tem um desfecho possível. Não consigo me posicionar confortavelmente de um ou outro lado. Os ativistas, imbuídos de uma missão civilizacional, acreditam que vieram salvar os pobres timorenses de sua própria cultura. Mais precisamente, as pobres timorenses, pois são obcecados pelo tema do gênero e acham que a sociedade patriarcal constitui um sistema de valores compartilhado apenas pelos homens e imposto, pela forca, as mulheres. Nesta perspectiva, as mulheres são vitimas da cultura que integram e devem ser resgatadas dela. Depois de dias de convivência intensa com os dois personagens de discurso, ficou evidente para mim a ausencia completa de humor de muitos ativistas. Sao incapazes de olhar para o mundo sem olhos de escrutínio e juízo moral. Ao descrever hábitos de constituição de família de um determinado povoado no pais, uma certa missionária da ONU narrava cenários de repulsa para uma mulher ocidental. Num determinado momento da conversa, ela disse haver - na mesma aldeia que dava ao homem o direito de transitar entre as diversas mulheres da família - o direito das mulheres migrarem entre homens da mesma família no caso de óbito do marido original. Eu ouvi com surpresa esse relato – que enfim produzia algum reconhecimento para a mulher - e deixei escapar um: “que legal!”. Fui congelada imediatamente por oito ou dez olhos de censura. Alem da ambição desmedida de organizar o mundo segundo seus padrões, os ativistas também irritam pela recusa dos “acadêmicos”, como se a ação pudesse prescindir da reflexão.
Os antropólogos, em contrapartida, embora me inspirem mais simpatia, também podem ser muito chatos com a ditadura da imparcialidade. Parece que, eles próprios, não tem nenhuma inscrição cultural e partem do principio de que todas as coisas que tem a ver com cultura (hábitos, costumes, instituições) são boas em si mesmas porque relativas a um determinado universo compartilhado de valores. Se uns irritam pela arrogância universalista, os outros irritam pela recusa de todo juízo moral.

De volta a Dili

Na segunda vez que aterrissei no aeroporto de Dili, quase duas semanas depois da primeira chegada, minha disposição emocional era completamente outra. Sensação de retorno ao conhecido. Quando cruzei a porta do avião, o bafo quente contra o rosto me trouxe conforto e acolhimento. A tristeza antecipada da partida foi o sentimento seguinte. Eu vivi esta cidade com tanta intensidade que tenho a impressão de estar aqui há meses. Já tenho uma rotina, uma casa e um gato (temo, alias, pelo destino dele). Já sei meu numero de telefone de cor e os nativos da rua já não me chamam de malai. Agora eu sou a brasileira (e uma distinção importante) e todo dia me cumprimentam saindo de casa: “bom dia, brasileira”. No mercado da esquina, penduro a conta quando falta troco. No Hotel Timor, o porteiro me pergunta pelo Ronaldo (uma fixação nacional). Essa sensação de reconhecimento me da sensação de já pertencer um pouco a este lugar.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Ritual dominical no templo de Umuluatu (pequenissimo trecho)

Fim de semana em Bali II


Mudei de registro: do desanimo e frustração ao encantamento. A chegada em Kulta, sufocada pelo turismo, nada tem a ver com o que Bali tem para ser visto. Passei a noite de sexta-feira as voltas com um guia de turismo para salvar meu fim de semana. Naquela altura, meu pessimismo não deixava vislumbrar o que estava por vir. Percebi que seria impossível conhecer Bali a pe ou de ônibus. A idéia de alugar um carro sozinha, dirigir na mão errada e ainda decifrar mapas foi desanimadora e eu decidi contratar um motorista particular, que me custou 30 dolares por dia. Os preços aqui, apesar da altíssima estação, são incrivelmente baixos. Meu motorista era muito sorridente e disposto, mas tivemos, desde o inicio, um problema grave de comunicação. Após um dia inteiro de desentendimentos, consegui deduzir que os indonésios pronunciam “p” no lugar de “v” e “b” no lugar de “f”. Parece uma banalidade, mas e o suficiente para caotizar uma conversa.
Fui apontando no mapa os lugares que queria conhecer. Consegui fugir do circuito de compras que ele, a todo custo, queria me impor: “silver and gold to ladies”, ele repetia. E eu retrucava: “no money, no money!”. Foi uma disputa tensa. Ele achou bizarra a idéia de um tour pelos templos. E eu estava completamente fascinada com este universo religioso que ocupa os balineses. Ele achou bizarro também o conceito de uma mulher que viaja sozinha. “No family?”, “did you come alone from Brazil?”, ele perguntava com uma curiosidade insaciável. Quando comprei uma camisa para o meu sobrinho, ele perguntou: “for your son? how many do you have?”. Eu decidi criar a persona de uma mulher com filhos porque achei que seria mais fácil. E disse: “yes, it’s for my son”. Foi o inicio de uma longa seqüência inquisidora em que a minha pequena mentira foi tomando proporções que eu não poderia imaginar.
A minha primeira e equivocada impressão de Bali foi a de um lugar inteiramente capturado pelo turismo, movido pela exuberância da beleza natural e pelas marcas de exotismo de uma vida religiosa extinta. Eu não podia estar mais enganada: este povo respira a religião e faz dela a principal motivação para a vida. Um passeio pelas estradinhas do interior, que fogem da orla, revelam um cenário fascinante que alterna campos de arroz com pequenas casas e templos. Digo casas e templos para designar uma so unidade. Os hindus são cerca de 80% da população local e constroem suas casas com um pequeno recuo para acolher, na parte dianteira, um pequeno templo. Embora obedeçam a um estilo comum, cada um desses pequenos templos tem uma característica própria, um detalhe que os distingue dos demais. São pequenas pecas preciosas, com trabalhos minuciosos em madeira e pedra. A paisagem ordinária, que se repete a todo tempo, e de tirar o fôlego. Diferente da sensação do museu, que tem cara de passado, os templos, antigos e recentes, são usados a todo tempo e são de vários tipos. Podem ser domésticos, do grupo familiar mais amplo, do bairro e da cidade. Cada um deles envolve um calendário próprio de atividades. Ornados a cada dia, são cheios de cores. As flores e os panos de tons fortes somam-se ao cenário das pedras e madeiras desgastados pela exposição ao sol e a chuva.
Em uma sociedade com marcas tão fortes da religião, os fins de semana são oportunidade valiosa para o culto. Por isso pude perceber, em diversos templos, cerimônias de menores e maiores proporções. Não consegui, em tão pouco tempo e com tão precários canais de comunicação, entender como funcionam os rituais. Vi rezas, comidas, flores e banhos, mas não entendi qual e o principio de ordem disso tudo. Contentei-me em observar, simplesmente. O mar de turistas que freqüenta os templos não chegou a me incomodar. Os hindus criaram um modo interessante de lidar com eles. As áreas de reza são reservadas, mas tem os muros baixos. Estão e não estão integradas ao mundo exterior. O resguardo do espaço estritamente hindu e rigoroso, mesmo sem qualquer tipo de vigilância. Se muitos turistas não tem uma religião forte (imagino), tampouco arriscam a falta de respeito com a dos outros.
O segundo dia de Bali, que reproduziu o desconforto da comunicação precária, trouxe para mim maior sacrifício. Os percursos foram longos, o calor forte e o transito intenso, carregado de turistas. Cheguei no final do dia muito satisfeita com tudo, mas completamente exausta. O cheiro do incenso e a musica exremamente monótona foram o pano de fundo do meu fim de semana e me produziram, ao fim, uma certa náusea. No domingo a noite, tinha fome, sono e vontade de voltar para a “casa”. Descobri que existe uma diferença grande entre ser um malai e ser um gringo e eu prefiro ser malai. Em Bali, o gringo sofre assedio permanente, não tem sossego. A todo momento e confrontado com crianças e mulheres implorando que compre isso e aquilo. Curioso como esta função do comercio, que muitas vezes envolve um comportamento de quase-mendicância, tem um claro viés de gênero e de geração. Os homens não ocupam esse lugar de pedintes. Em Dili, o malai não perde o estigma do exótico, mas incorpora-se com mais tranqüilidade na rotina da cidade.
A dinâmica do comercio entre o nativo e o turista, em Bali, e, para mim, o símbolo maior desta tensão permanente. Como em muitos outros lugares no mundo, o preço e volúvel, suscetível as capacidades de negociação. Os primeiros preços oferecidos – sem nenhuma demanda explicita por parte comprador potencial – beiram o ridículo. Uma canga de péssima qualidade pode merecer a avaliação de 1.000.000 de rúpias, o que equivale a cerca de 100 dolares. O excesso de zeros contribui para tornar a coisa ainda mais caricatural. Em um dos corredores de lojas por onde o turista tem que passar para chegar aos templos, fui encurralada por uma mulher e duas crianças. Senti-me constrangida a demonstrar interesse por uma saia que não tinha a menor intenção de comprar. O preço imediato foi 500.000 e eu segui meu caminho original, sem fazer menção de leva-la. A vendedora, ofendida, gritava: “how much do you give me for this?” e me perseguia ditando novos preços. Sem que eu fizesse o menor esforço, a oferta desceu para 5.000 (50 centavos de dólar)!!! Ainda assim não me voltei para comprar. Ela, enfurecida, deu-me uma lição: “you have do bargain, that’s how things are!”

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Fim de semana em Bali

Afinal consegui organizar o meu fim de semana em Bali. Duas horas de vôo e duas horas de alfândega me separam de Dili. O contraste foi muito grande e repentino. Eu estava mais ajustada ao subdesenvolvimento e ainda me sinto perdida aqui. Ate agora a cidade me parece um parque de diversão de gringos, mas deve ser porque me restou a região mais turística. Os hoteis estao todos lotados. No caminho para a praia, fui assediada por todo tipo de oferta: massagem, cangas, pratas, tatuagens, vestidos, maconha e cocaína.
De todos os produtos, a massagem me parece a maior febre dos estrangeiros. Eles deitam em esteirinhas por toda parte, levantam a roupa aqui e acolá para receberem a famosa massagem balinesa e mil outras variações da coisa. Impressionou-me a falta de pudor: gringos semi-nus sendo publicamente manipulados. Os preços vão de 3 a 50 dolares a hora. Na praia, o pano de fundo sonoro e: "lady, lady, cheap massage, cheap massage!"

Sexta-feira limpa em Dili

Sexta-feira e dia de limpeza em Dili. O Presidente decretou que todos os cidadãos dediquem as manhas de sexta-feira a varrer a cidade e tirar os matos. Como não pode obrigar todos, a coisa e compulsória apenas para os funcionários públicos. Achei muito curioso sair na rua e deparar-me com um exercito amador de limpadores, varrendo a esmo, sem qualquer principio de ordem aparente. Ate os serviços essenciais na cidade param para a limpeza, disse-me o Rodrigo, defensor publico.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Os taxistas de Dili são personagens absolutamente necessarios. Como não existe transporte publico, as possibilidades de locomoção são as combis apinhadas de gente e os táxis. As combis são so para os iniciados. Não há qualquer indicação nelas do trajeto que deverão cumprir e considero altamente improvável encontrar nelas alguém que saiba duas palavras de português. Um internacional apenas se arriscaria em uma delas pelo sentido de aventura, e não pelo objetivo de alcançar algum destino especifico. Não foi o meu caso ate agora. Resta-me caminhar sob o sol escaldante ou tomar táxis. Alterno uma e outra solução. Nas corridas de táxi, que nunca excedem 30 km/h, o que impressiona e o modo de estabelecer o pagamento. Não há taxímetro e o preço e combinado na hora. Em geral, e o passageiro quem diz o quanto paga. Há uma desigualdade notável na condição de barganha em favor do transportado. No centro da cidade, o preço universal de deslocamento e um dólar. As distancias são muito curtas e normalmente seriam percorridas a pe, mas o sol suga todas as energias. O calor e a principal fonte de receita dos táxis. Um clima ameno não animaria as pessoas a pagarem para deslocar-se 4 ou 5 quadras.
Depois das seis da tarde, os táxis, amarelinhos como no Brasil, desaparecem. Um dia liguei para um que me foi indicado e ele dizia: “senhora, descanso!”, quase ofendido pelo telefonema importuno. Eles confirmam minha teoria do pré-capitalismo. Ainda não ocorreu a nenhum deles trabalhar so a noite e ganhar dez vezes mais do que uma jornada inteira de trabalho. Na noite de Dili, a “boleia” e uma instituição. Não fosse ela, os pedestres ficavam em casa.

O mar azul do Timor


quarta-feira, 8 de julho de 2009

Entreouvido por ai em Dili

Fim da tarde na praia

Malai: Mana, não tem coco?
Mana: Sim.
Malai: Então me vê um por favor.
Manda: Não
Malai: Não?? Mas como? Não tem coco?
Mana: Sim
Malai: Então me vê um por favor.
Manda: Não
Malai: Não?? Mas como? Não tem coco?
Mana: Sim
....

Glossario:
Malai: nome genérico para os não nacionais. Somos todos malásios porque falamos língua estranha (e somos estranhos também!)
Mana: modo de tratamento em tetum.

Moral da historia:
Nunca formular uma pergunta na negativa! Pode produzir um circulo vicioso na conversa.

Entrevista com Ramos Horta

Ontem pela manha recebi um telefonema da secretaria do Presidente agendando uma entrevista com ele para hoje. Mal pude acreditar que foi tão fácil. Por um desses grandes lances de sorte, peguei o atalho certo e, em menos de 24 horas, consegui alcançar a autoridade máxima do pais.
Neste fim de semana fui almoçar com um casal de brasileiros cujo contato me foi dado por amigos de amigos. Eles foram muito atenciosos e me levaram para um belo passeio pela cidade. Entre uma conversa e outra, soube que o Rodrigo era defensor publico e que a Aline tinha sido assessora direta do Ramos Horta. Perguntei, com baixíssima expectativa de sucesso, se ela achava que eu poderia conseguir uma conversa rápida com o Presidente. Ela disse que faria a consulta a uma ex-colega que ainda estava no gabinete da presidência. Foi assim, sem maiores cálculos ou articulações, que eu cheguei ate Ramos Horta.


Refleti longamente sobre um roteiro de questões. A entrevista não deveria se perder em conversa sobre meu tema especifico de pesquisa. O objetivo era faze-la constar no Portal CPLP e me parecia adequado que ela tivesse um perfil mais generalista. Eu imaginei uma espécie de panorama político do Timor e, para isso, alguns temas controversos da agenda contemporânea não poderiam ser evitados. Há, por exemplo, grande polemica em torno da anistia aos militares timorenses e indonésios envolvidos com as milícias que destruíram o pais em 1999. O Presidente pronuncia-se favoravelmente a anistia ampla e irrestrita com vistas a “virar esta pagina da historia” do pais. Ele cita o Brasil como exemplo bem sucedido neste caso. Fiquei muito impressionada de o Brasil ser mobilizado, a este respeito, como referencia de ação política. Alem disso, muito barulho também aconteceu em torno da indicação de Xanana Gusmão ao cargo de Primeiro Ministro. Muitos alegam que o Presidente aproveitou-se de uma brecha na Constituição para aprovar um acordo pos-eleitoral entre as forcas de oposição a Fretilin, que obteve maioria no Parlamento. Eu achei que não poderia passar ao largo destas duas questões e busquei formula-las de modo gentil, sem que soassem como uma afronta, mas como uma consulta genuína, uma oportunidade para expor a sua opinião a respeito destes assuntos. Foi uma tarefa difícil e não estou certa de te-la alcançado. Existe uma linha tênue que separa um e outro cenário, isto e, o enfrentamento e o pedido de esclarecimento. Tive a impressão de que o final da conversa, quando surgiram esses temas mais dificies, veio envolto em uma certa tensão. A meu favor quis supor que essa impressão tinha a ver com uma leve ansiedade pelo tempo que já ia avançado. Ofereci-lhe, ao final da entrevista, um café brasileiro, que foi recebido sem entusiasmo. O Embaixador já me havia dito que o café timorense era muito bom, produto de orgulho nacional, o que ofuscava o café brasileiro por ca. Ramos Horta disse-me que o próprio Lula tinha admitido ser o café deles melhor e eu fiquei imaginando a reação dos brasileiros se tivessem conhecimento de uma declaração desta gravidade! Meu movimento final para assinalar cordialidade não foi propriamente bem sucedido, mas sai satisfeita com o encontro. Afinal, não fui la para ser adotada pelo Presidente e consegui fazer todas as perguntas que tinha planejado.


A fala do Presidente me surpreendeu pelo tom critico relativamente a ONU e a cooperação internacional no Timor. Ele propoe que se repense o modelo de ajuda internacional e diz-se estupefato ao ver tanto dinheiro investido no pais – 3 bilhoes de dólares desde 2001 ate hoje – sem melhoria real da qualidade de vida do povo. Ele chamou ainda atenção para o fato de a pobreza ter aumentado no Timor nos últimos anos. A disparidade entre o patamar social e econômico dos timorenses e aquele dos internacionais e mesmo chocante. Boa parte das doações e investida em pessoal estrangeiro, advisors de toda especie. Isto significa que boa parte dessa cifra exorbitante não permanece no pais. Para muitos estrangeiros no Timor, a passagem por aqui e uma espécie de mal transitório que tem o acumulo de capital como contrapartida.

Os minutos pré-entrevista foram muito tensos e, a esta altura, já cômicos. Organizei-me com antecedência para que tudo transcorresse com calma. Mais de meia hora antes da entrevista, sai em direção ao Palácio do Governo, a cinco quadras de onde estou hospedada. Apenas sai, dei-me conta de que tinha esquecido meus cartões de visita e achei que valia a pena retornar. Ao apoiar a bolsa aberta em cima da mesa, o gravador caiu no chão e eu não percebi isso antes de chegar ao Palácio. Sai correndo, peguei um táxi e pedi que me levasse ate em casa e depois me levasse de volta. Os timorenses tem hábitos lentos e a corrida parecia um passeio. Eu explicava ao motorista que tinha pressa e ele dizia: “sim, sim”, a resposta universal dos timorenses que não falam português e não fazem a menor idéia do que esta sendo dito. Fiz todo o percurso e consegui chegar ainda dez minutos antes. Era tempo suficiente para lavar o rosto e ter uns minutos de concentração. Entrei no Palácio do Governo e não havia ninguém na recepção. Subi as escadas e passei por outra recepção desabitada. Fui seguindo o caminho natural, confiante que, em algum momento, eu encontraria a secretaria com quem estive em contato. Cheguei, enfim, a uma porta imponente e sem identificação. Hesitei dois minutos antes de abri-la, mas decidi que não tinha escolha. Já estava em cima da hora e eu precisava me apresentar para não atrasar a agenda do Presidente. Vi um homem de costas e uma mulher ao lado com alguns papeis na mão. Somente neste momento fui interpelada por um guarda que indagou quem eu era e quem procurava. Eu disse que tinha uma entrevista com o Presidente e ele disse: mas este e o gabinete do Primeiro Ministro. Dei-me conta de que eu simplesmente estava entrando na sala de Xanana Gusmão (era o próprio ali de costas!), sem ter sido interpelada por ninguém no meio do caminho! Não me surpreende que tenha sido tão fácil tentar matar o Presidente! Fechei a porta sem que tenham notado a minha presença. Mal podia acreditar na confusão. Perguntei ao guarda onde estava o gabinete do Presidente, imaginando que seria nas redondezas. Ele me disse, arranhando um português aprendido no passado longínquo da colônia portuguesa, “muito longe, do outro lado da cidade” e apontava rumo ao horizonte. Olhei para o relógio e faltavam cinco minutos para a hora da entrevista. Sai correndo, ainda sem saber bem o que fazer. Fui ligando o celular para prevenir sobre o meu atraso e tentava afastar do meu pensamento a tempestade de acusacoes que eu fazia a mim mesma: como pude ser tão estúpida? Idiota! Desligada! Num instante tudo fez sentido: em Timor, copia do modelo político português, o Palácio do Governo e o Parlamento. O Presidente não governa. Por que eu estava tão segura de ser este o Palácio? Por que não confirmei a informação? Entrei num táxi e disse “Palacio Presidente. O senhor conhece?” O “sim, sim” que se seguiu não me soou nada convincente. Passados uns minutos, o motorista para em frente a uma residência e faz sinal para eu saltar. Eu queria chorar e repetia, em tom de desespero: “Palacio Presidente, Palácio Presidente, não residência!!!” (não sei porque, mas nas minhas falas truncadas com os locais, eu suprimo os verbos, como se isso fosse facilitar a comunicação...) O que mais eu podia fazer? Aquele sol estava acabando comigo e eu não conseguia mais pensar em nada. Tive então a idéia salvadora de ligar para a secretaria do Presidente e coloca-la para conversar em tetum com o motorista. Consegui chegar as 3:05, subi as escadas pulando degraus e não tive dois segundos antes de entrar, ofegante e encharcada de suor, na sala do Presidente. O cabelo, endurecido pela água salobra, parecia uma palha. Posso imaginar meu aspecto lastimável, apesar de ter escolhido a minha melhor roupa para o evento! Por sorte, uma clássica conversa sobre o parentesco com o Chico Buarque deu-me tempo para organizar a respiração.

Depois da entrevista fui encontrar com a assessora que me conseguiu a entrevista. Queria agradecer a ajuda e dar também a ela um pacote de café (que foi muito mais bem recebido, alias). Estranhei o calor no escritório. As janelas abertas não chegavam a aliviar a sensação de abafamento. Veio então, num comentário casual, a explicação: o Presidente, indignado com o desperdício de energia que testemunhou dias antes em uma sala do Gabinete, determinou que todos trabalhassem sem ar condicionado e sem luz por uma semana. Energia apenas para fazer funcionar os computadores.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Abismo civilizacional, agua e fardas

A forte sensação de desigualdade em Dili não tem apenas a ver com a distancia social entre nativos e internacionais, que e enorme. Há também um abismo civilizacional entre eles. Hoje fui a uma agencia de turismo para decidir sobre o meu próximo fim de semana antes de voltar ao Ocidente. Eu tinha um falso dilema entre permanecer no Timor e conhecer outras regiões do pais ou ir para Bali em um experimento de exotismo asiático, como definiu um colega brasileiro. Digo falso dilema porque, ao que parece, não há excursões para outras partes do Timor e a única possibilidade para uma turista sozinha, com carga mediana de disposição para a aventura, e ir para a Indonésia, o pais rival. Todas as informações que consegui obter foram extraídas a fórceps e soam pouco confiaveis. O entendimento em português e sofrível, mas não se trata apenas de um obstáculo lingüístico. Este e um mundo pré-capitalista e isto produz um cenario de quase-incomunicabilidade entre as partes que estao dentro e fora dele. Tenho a sensação de ser uma criatura de outro planeta para os timorenses com quem tive a oportunidade de interagir – salvo um ou outro membro da elite local que se exilou no tempo da ocupação. Nenhum avanço nos meus projetos de fim de semana.

A situacao da agua no Timor e deploravel. Uma quantidade mínima da população tem acesso a água potável e muitas doenças estão relacionadas a esta restrição. A água que sai da torneira e de péssima qualidade. No banho, faz arder os olhos. Quanto aos cabelos, impossivel qualquer vaidade com eles. Ando com os meus presos todo o tempo.

Nas ruas de Dili, as tropas da ONU promovem um verdadeiro desfile de fardas. O Exercito e emprestado de todas as partes do mundo. Cada um vem e mantem sua indumentaria de origem. No aeroporto, essa diversidade e mais evidente. Lembro-me de me sentir confusa, sem entender quem era a autoridade local. Ontem passei por diversos pontos de controle. Em cada um deles havia um grupamento de nacionalidade distinta. Em uma so tarde tive que apresentar-me a paquistaneses, chineses e franceses. Difícil perceber um sentido de unidade em meio a tanta variedade.

domingo, 5 de julho de 2009

Pequeno drama domestico

Hoje vivi um pequeno drama domestico com desfecho aparentemente feliz.
Aproveitei a manha de domingo para colocar leituras em dia. Estava no quarto quando a indonésia que me hospeda me chamou, assustada, dizendo que tinha um gato no jardim que tinha perdido uma perna. O marido, um portugues, tinha saído e ela julgou que eu fosse mais habilidosa para administrar a situação. Ela colocava a mão no rosto como quem tem medo do que esta para ser visto. Fui ate o gato e, de fato, so pude enxergar nele três patas. O bicho esforçava-se em vão para sair do lugar e emitia sons de agonia. Eu passei cinco minutos ate ter coragem de retira-lo da poça de água em que estava caído. Quando, enfim, movi-o ate a grama, percebi que ele tinha todas as pernas, mas não era capaz de movimenta-las. Nesta altura, a indonésia, aliviada de não ver uma perna amputada de gato na porta de casa, voltou para dentro de casa e me deixou a especular sozinha sobre o que poderia ter acontecido e sobre o que poderia ser feito para ajudar o bicho agonizante. Eu decidi que o levaria ao veterinário por minha própria conta, pois entendi que ali não haveria solidariedade com a condição do animal em sofrimento. Imaginei, entretanto, que não seria trivial encontrar um veterinário em Dili num domingo. Imaginei, ainda, que a própria idéia de um veterinário na cidade talvez fosse excêntrica. De todo modo, eu tinha que fazer alguma coisa. Entrei em casa e perguntei a ela se sabia onde eu podia encontrar um veterinário. Nos nos comunicamos em inglês e, as vezes, eu tenho dificuldade de compreende-la. Mas dessa vez foi ela quem não me entendia. Eu repeti algumas vezes ate que resolvi improvisar um sinônimo e disse: "a doctor who takes care of animals". Ela não conteve uma gargalhada e foi so então que entendi que ela sequer conhecia o conceito de veterinário. Em um pais que sediou o massacre de tanta gente, os bichos tem mesmo um status rebaixado. Frustrada, voltei para o meu objeto de agonia e tentei alimenta-lo, o que foi impossivel. Decidi esperar o marido chegar porque estava convencida de que, numa cidade com tantos “internacionais”, algum veterinário haveria de existir. Voltei para dentro e tentei retomar os estudos, ouvindo, ao longe, o ruído de sofrimento do gato. Perdi a concentração por toda a manha a espera de conseguir produzir alguma solução para o caso. Imaginei que o gato teria que ser sacrificado e que, se dependesse dos locais, ele definharia ate a morte. Eu ao menos teria que providenciar esse alivio para o seu tormento e providenciar uma morte mais digna. Quando ouvi o barulho do carro do português chegando, sai de um pulo para investigar sobre o veterinário. Foi então que me deparei, no jardim, com o gato já dando seus primeiros passos desajeitados. Em cinco minutos ele percorreu todo o jardim, embora trôpego, e o português, após ouvir toda a minha narrativa do evento, olhava como se eu fosse louca.

sábado, 4 de julho de 2009

3 de julho de 2009

Em Dili, encontram-se ministros no supermercado e senadores na praia. Hoje fui casualmente apresentada a Mario Alkatiri por uma colega brasileira que trabalhou com ele no seu gabinete. Estávamos em um restaurante na beira da praia. Curiosa e falsa sensação de proximidade do poder. Neste caso, do ex-poder. Mas, ao que parece, não seria nada improvável que a mesma cena tivesse se passado com Ramos Horta ou Xanana Gusmao.

Impressionam-me os modos discretos dos timorenses, mesmo em situações de euforia. Parece existir aqui um certo fascínio pelos telefones celulares, que são manipulados a todos os momentos nas ruas. Logo na minha chegada a cidade, quando entrei na loja para comprar um chip local, uma dezena de timorenses acumulavam-se em torno do balcão para solicitar serviços diversos ou simplesmente para participar do espetáculo das demonstrações dos telefones. Aqui não há o conceito de fila e a multidão aglomerada, a principio, parece prenuncio de confusão. Uma espécie de acomodação natural, entretanto, vai dissipando, pouco a pouco, a massa desordenada. Tudo se passa sem ruídos e, aparentemente, sem conflito. O mesmo cenário observei hoje quando me dirigi a Dili Telecom para usar a Internet. Cerca de 15 homens acumulavam-se em cima do balcao sem parecer incomodar o atendente, que executava suas tarefas com tranquilidade. Estranha sensação de uma bagunça organizada.

2 de julho de 2009


Ainda sou uma inadaptada ao fuso. Dormi as oito da noite e acordei as quatro da manha, com os galos. A cantoria insistente e uma espécie de pano de fundo sonoro da cidade. Eles ficam do lado de fora das casas, com a perna amarrada.

Nunca tinha me dado conta de que os enderecos são sinais de desenvolvimento. Quando passei na imigração, estava preocupada, pois eu não tinha o numero da casa e os oficiais poderiam causar problemas. Achei que tivesse sido descuido meu ao copiar o endereço, mas não foi. Todas os lugares aqui são identificados por referencias do tipo: isso fica perto de, basta virar a direita depois do, logo ali antes da...

Sesta do dia 1 de julho

A sesta e uma instituição local. Não poderia existir habito mais adequado ao clima. Andar na rua e absolutamente exaustivo. O sol e avassalador e não há praticamente como se esconder dele. Tenho entrevista com o embaixador as quatro horas e ele próprio me propôs a sesta quando eu sugeri um encontro as duas da tarde.
Voltei feliz para casa depois da minha primeira manha exploratória nas ruas da cidade. Tomar um banho e ligar o ar condicionado e um prazer impossível de descrever. Como não há prédios na cidade, também não há sombras que abriguem os pedestres. Onde uma arvore esboça uma trégua, la embaixo já haverão quatro ou cinco timorenses.
Depois de encontrar com Rui Pinto, um de meus “informantes”, no Hotel Timor, centro que congrega os internacionais, fui almoçar com a Kamila, a missionária brasileira. Procuramos antes, sem sucesso, o local de inscrição para o Congresso que participarei a partir de amanha. Isso significou idas e vindas no campus da Universidade, muito empobrecida, mas com boa estrutura e muitos estudantes. Para minha surpresa, descobri que existem 18 universidades em Dili, o que parece revelar um forte desejo de superar a sua condição de inclusão marginal do timorense.
Andando com a Kamila de um lado para o outro percebi como e importante falar o tetum para viver aqui. Seria a minha primeira medida se, como ela, eu tivesse o desprendimento de deixar o Brasil e vir sem perspectiva de retorno. No tetum, o principio elementar e o de uma comunidade familiar. As pessoas da mesma idade chamam-se de mano e mana. Os jovens quando referem-se aos mais velhos, da geração de seus pais, os chamam de mãe ou pai. E vice-versa. Os mais velhos chamam os jovens de filho. Lembrei das aulas de Platão e da fabula da cidade perfeita.

1 de julho de 2009



Embora hospedada em região central de Dili, acordei as quatro da manha com uma sinfonia de galos. Sensação de roca que corrobora a impressão da chegada. Nas ruas da cidade, o único contraste com o cenário desolador da poeira e dos prédios queimados são os carros de ultima geração da ONU. Estão por toda parte e dão a falsa impressão de um estado de exceção. A cooperação internacional tem ainda aqui, mesmo depois da autonomia política em 2002, uma presença central.
A chegada em Dili foi muito marcante. A paisagem e linda: são montanhas que se encontram com o mar com um recorte muito impressionante. Quando aterrissou, o avião que chegava de Cingapura era o único no aeroporto, salvo três ou quatro bimotores e helicópteros da ONU. Os passageiros foram recebidos com honras militares por causa de um General Francisco Conceição, que trazia a farda repleta de medalhas e viajava na primeira classe. Uma comitiva aguardava o General na saída do avião e todo o cerimonial me pareceu cômico. Um calor de matar, um sol que mal deixa abrir os olhos e aquela trupe de homens minúsculos (os timorenses são todos feitos em miniatura) indo de um lado a outro com movimentos mal ensaiados.

Ainda estou para entender qual foi a equação política que tornou o tornou idioma obrigatório. Surpreende-me que os portugueses tenham ganho a batalha lingüística dos australianos. A língua que se fala efetivamente, entretanto, e o tetum., que tem um vocabulário muito pobre e acaba mesmo incorporando o português, mas soa completamente diferente dele. Depois da brutalidade indonésia, que ocupou o pais desde 1975 ate 1999, me parece haver uma certa nostalgia com relação ao tempo da presença ausente portuguesa. O Timor sempre foi um enclave esquecido por Portugal e isso resultava em importante autonomia local. Existe um claro marco geracional no uso da língua. Os jovens que viveram sob ocupação indonésia (e que viveram, portanto, a proibição do português) falam tetum e inglês. Os mais velhos, do tempo da colônia portuguesa, falam o português. Há também uma clivagem que tem a ver com a diáspora das guerras. Muitos exilados, que depois retornaram como lideres da FRETILIN (frente de resistência que hoje tem maioria no Congresso) refugiaram-se nas colônias portuguesas na África e trouxeram o português como língua de comunicação. Os resistentes que permaneceram, por sua vez, faziam uso estratégico do português, pois com ele escapavam ao controle indones, como faziam os negros sul-africanos no Apartheid. O portugues foi, portanto, o idioma da resistência e ocupa um lugar simbólico importante. Há um esforço do governo para superar essa defasagem geracional com a formação de professores em língua portuguesa. E possível que dentro de alguns anos as novas gerações já sejam formadas em português, mas parece-me claro que o empreendimento esta aquém das necessidades para uma mutação lingüística. A indonésia, quando empreendeu esforços neste sentido, fez um investimento agressivo em educação.

A cidade e toda baixa. Não vi ate agora um único prédio. Entre uma construção e outra ainda restam sinais da destruição da guerra. Muitas casas queimadas, lavadas pela chuva, ainda estão de pe e abrigam, vez ou outra, pequenos comercios. A descrição da cidade em 1999 e tenebrosa e explica muito do que ainda se vê hoje. 80% de toda infra-estrutura foi queimada. A população que sobreviveu fugiu para o interior ou foi forcada a cruzar as fronteiras para a Indonésia. Milícias indonésias, que não aceitaram o resultado do referendo pela autonomia, executaram um massacre de enormes proporções. Estima-se que um quinto da população da época tenha sido massacrada.
Existe uma avenida a beira-mar onde estão as embaixadas e as casas de embaixador. Este trecho não chega a produzir sensação de riqueza porque todo o entorno e extremamente empobrecido. Os vendedores ambulantes estão em todos os lados. Alguns são nômades, andam com as costas carregadas de frutas, peixes ou qualquer outra mercadoria. Outros estendem uma toalha no chão e vendem de tudo, em geral usados. Nada aqui tem cara de novo.
No meio deste cenário circulam os “internacionais”, figuras centrais na reconstrução de Dili que vem e vão de seus paises de origem e não constituem uma classe fixa. O impressionante e encontrar nesta cidade um ambiente extremamente cosmopolita, com gente de toda parte do mundo. São os malai, no tetum. Ontem encontrei com uma brasileira missionária que conheci pela internet e que veio me visitar “em casa”. Como a casa não tem numero, sai na rua, falando no celular, para que ela me localizasse. Imediatamente vários garotos jogando futebol pararam para testemunhar o encontro das malai. Depois de dez anos, os malai são ainda exóticos, tamanho o abismo que os separam dos locais. Mas e um exotismo domesticado, já familiar. Não me pareceu haver, nas ruas, um clima de animosidade. Há uma certa harmonia na diferença, coisa que não parece haver nos bastidores do governo, segundo li. A inserção profundamente desigual entre os locais e os estrangeiros no processo de reconstrução do Estado e extremamente tensa. Os salários dos internacionais são infinitamente superiores. São eles que ocupam os lugares chave de decisão política. Os timorenses, salvo um ou outro caso, invariavelmente estão em posição subordinada.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

29 de junho de 2009

Minha passagem por Cingapura foi vivida como um compasso de espera angustiado, ansioso pelo tema principal. Obcecada pelo Timor, tenho lido sobre ele desde que iniciei o longo percurso ate aqui, que incluiu vinte e três horas no ar. Antes da viagem, estive ocupada com mil outras coisas. Como modo de compensar minha aproximação tardia do tema, iniciei uma jornada intensa de leitura a bordo, interrompida pelo cansaço da viagem, pelo transito entre aeroportos e por uma tarde ensolarada de sábado em Paris, com o Bernardo. Há três dias meu pensamento gira em torno do mesmo assunto. Apesar da ignorância que aumenta na medida das leituras, estou vivendo uma fase deliciosa de encantamento e desejo de “experimentar” meu objeto de estudo. O medo do desconhecido, que quase me paralisou antes da viagem, começa a se transformar no desejo pelo desconhecido e eu me sinto pronta para, enfim, conhecer Dili, a cidade devastada pelo conflito que ensaia um esboço tenso de democracia.
O meu dia em Cingapura esteve marcado então pela presença ausente do Timor. Caminhei o quanto pude pela cidade. O tempo todo estive tomada por um misto de curiosidade e preconceito com este lugar que parece uma caricatura do capitalismo, mas que não revela marcas de pobreza. Nunca vi tanta riqueza sem o contraponto necessario. As ruas são largas e os shoppings, todos monumentais, estão em cada esquina. Fiquei curiosa por saber como foi o impacto da crise por aqui, pois tudo me parece pura opulência, sem sinais de abalo. Tudo parece correr as mil maravilhas. Conheci o centro histórico, acanhado pela imponência dos arranha-ceus que dominam a paisagem. Entrei no Museu de Arte de Moderna sem saber o que esperar e fiquei surpresa. Não esperava um ar local num ambiente todo globalizado. Fiquei muito impressionada com os quadros do Wu Guanzhong (acho que e esse o nome, não tenho certeza). São belas representações da natureza com um estética nada Ocidental. Na rua, quando comecei a sentir os primeiros sinais de fome, percebi que a comida e uma trincheira de resistência cultural. Homens e mulheres cobertos de grife comem as loucuras locais. Os Mc Donald’s e Subways eram dos turistas. Na Little India, o impacto foi forte. Ao lado daquelas figuras hindus tradicionais, com vestimentas típicas, os jovens globalizados enfiam as mãos na comida com muita intimidade. Tive dificuldade para comer por causa da pimenta e não cheguei a me animar a comer como os indianos. Consegui implorar um prato “without chilly” em um fast food tailandês. Precisei de um interprete que traduziu o meu inglês para as senhoras que faziam a comida. Depois de minutos de total incomunicabilidade, eu estava desistindo e uma delas agarrou o menino e fez ele mediar a conversa. O garoto então repassou as minhas “exigências” e o final do processo foi seguido por aplausos. Tive que comer com dez pessoas olhando para a minha cara e avaliando a minha relação com a comida.
Voltei exausta para o hotel. Fiz o percurso de volta de metro, que tem uma inusitada tecnologia “anti-suicidio”. Toda a plataforma e separada dos trilhos por portas de correr que se abrem apenas quando chegam os carros do metro. Há uma sincronia impressionante entre a posição das portas fixas e a dos vagões. A sensação que eu tive, aumentada pelo cansaço, foi de estar em um filme de ficção cientifica. Todo o ambiente e ultra-moderno, com transparências e metais leves. Os espaços são amplos e a multidao que circula não chega a produzir uma sensação de confinamento. São todos silenciosos, com gestos calmos. Impressionante elegância nos modos. Nas ruas, sob o sol escaldante, as mulheres abrem suas sombrinhas e seguem tranqüilas, sem uma gota de suor no rosto ou nas roupas, desfilando em saltos monumentais como se andassem de havaianas.
Dormi horas seguidas e ainda sinto meu corpo confuso pelo fuso e pelo cansaço da viagem.

28 de junho de 2009

Em Cingapura, eu sou grupo de risco. Toda a América do Sul e considerada tomada pela gripe suína. Na chegada no hotel, a recepcionista apontou uma espécie de arma para a minha testa e acionou um pequeno gatilho. Surpresa com aquele procedimento, perguntei do que se tratava. Eu imaginei que fosse uma forma moderníssima de identificação, mas era um aparelho para medir temperatura. Fiquei um pouco angustiada imaginando qual seria o meu destino se o dispositivo ultra-moderno revelasse uma febre.

A primeira impressão da cidade foi a de uma imensa Barra da Tijuca, mas arborizada e florida. Os prédios não tem menos que trinta andares e são organizados em pequenos conglomerados. O caminho do aeroporto para o hotel e repleto deles. Nenhum sinal, neste percurso, de pobreza. As pistas de carro são todas largas e impecáveis, mas os carros não pode exceder (e não excedem) 70 km/h. Sensacao de ordem e assepsia.